Gênero | O que significa poder votar?

Tamiris Diversitera • Feb 26, 2024

Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil

CIDADANIA
A experiência eleitoral varia de país para país. Nos democráticos, o direito de votar é uma característica da cidadania. Ao longo da história, porém, algumas categorias de pessoas foram excluídas da ideia de cidadão, o que não é exatamente uma novidade já que é uma herança da Grécia Antiga, em que apenas homens eram referenciados enquanto tal, e os gregos foram colocados como orientadores únicos de tudo o que diz respeito ao fazer político no mundo. Um dos problemas de não ser visto como cidadão, isto é, sujeito de direitos, é que essa invisibilidade implica em não ser beneficiário de políticas públicas e privadas orientadas a necessidades básicas para uma vida digna. Também, alija o exercício das liberdades e mina a hipótese de elencar certos direitos como fundamentais, tornando algumas existências mais inseguras que outras.

HISTÓRICO DO VOTO NO BRASIL
Aqui no Brasil, a conquista do voto feminino é histórica, social e institucional. 

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Enquanto Colônia, apenas homens brancos com renda específica podiam votar. 
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No Império: primeiro, somente cidadãos homens, ativos, maiores de 25 anos e com renda comprovada, considerando mulheres (exclui as não brancas) apenas como cidadãs passivas e, portanto, sem direito ao voto; mais tarde, propostas sugeriram uma reforma eleitoral em que viúvas e mulheres arrimo de família pudessem participar de eleições locais, o que não foi aprovado; então, a Lei Saraiva determinou que somente aqueles que tivesse título científico poderiam votar e isso abriu uma brecha para mulheres diplomadas embora os entraves sociais permanecessem para isso de dar de fato.
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Na República, apesar da atuação dos movimentos sufragistas e abolicionistas desde meados do século XIX, tensionando a ideia de cidadania, permaneceram votantes os homens, maiores de 21 anos, alistados na forma da lei. Notamos que a professora baiana Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, em 1910.
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Uma cidadã nordestina, Celina Guimarães Viana, conseguiu votar. Brechas legais permitiram que mulheres se candidatassem. É que os textos vetavam o voto, mas não a participação política de outras maneiras. Foi assim que elegemos a primeira prefeita da América Latina, Alzira Soriano. Bertha Lutz deu início à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. 
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Na Era Vargas, estudiosos consideram que nasceram as eleitoras e cidadãs do ponto de vista formal, já que elas passam a participar das eleições com a reforma eleitoral – embora fossem apenas as alfabetizadas, as casadas precisassem da autorização dos maridos e apenas servidoras públicas fossem obrigadas a fazê-lo. Foi nesse período que tivemos também a primeira deputada eleita.
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Na redemocratização, pós-ditadura, cidadãos, maiores de 16 anos, alfabetizados ou analfabetos, sem distinções de raça, gênero e classe passaram a ser autorizados a votar. Observamos, assim, que a participação ampla e irrestrita de todos os brasileiros que conhecemos hoje é absolutamente recente.

AS SUFRAGISTAS
Até o final do século XIX, a tríade raça, gênero e classe excluía a participação ativa de cidadãos na política institucional da maioria dos Estados. Era um momento de agitação social significativa, com ondas de luta por direitos civis. É nesse contexto que o movimento sufragista liderado por mulheres se fortalece e consolida. Países como Inglaterra, Nova Zelândia, Finlândia e Estados Unidos tiveram agrupamentos expressivos neste sentido. Suas reivindicações, além do direitos ao voto e à candidatura, em síntese, giravam em torno do direito à educação e da adoção de um modelo verdadeiramente republicano. Na contramão, argumentos atestavam a ideia de subordinação feminina, colocando sua luta como uma ameaça à manutenção das famílias e ao patriarcado ao qual deviam obediência, além de rotulá-las como emocionalmente influenciáveis, irracionais e incapazes de compreender assuntos complexos. Rousseau e Kant, filósofos iluministas, chegaram a considerá-las com menor capacidade intelectual. Após protestos e tensionamentos relevantes, sobretudo de professoras e jornalistas, elas conseguiram votar e avançar com suas pautas.

Grande parte dos países só promulgou o voto feminino ao longo do século XX. Alguns, como a Arabia Saudita (2015), no século XXI.

UMA LUTA DE MULHERES... BRANCAS
Muito embora estudos apontem um alinhamento do movimento sufragista com o abolicionismo, isso não o coloca exatamente como antirracista ou promotor do fim do escravismo. Há presença de diferenças complexas entre eles, e as iniciativas brasileiras espelharam substancialmente as experiências europeias e estadunidenses. Enquanto pessoas negras lutavam por sobrevivência e pela garantia de direitos básicos (educação, saúde, moradia etc.), as pautas de mulheres brancas eram outras, mais específicas as suas realidades (direito ao aborto ou ao trabalho). Neste sentido, apesar dos avanços pelo sufrágio universal, critérios estabelecidos como alfabetização e renda eram absolutamente excludentes para algumas populações, no Brasil sobretudo quando aparecem apenas cinquenta anos após a abolição. Vale ressaltar figuras como Almerinda Farias Gama e Antonieta de Barros, duas mulheres de importância apagadas da história de luta participação feminina na política brasileira.

E as mulheres indígenas? Até 2021, a população indígena em geral foi impedida de votar por uma norma de 1965 que obrigava eleitores a serem fluentes em Português e comprovar domicílio eleitoral, o que não dialogava com a realidade dos povos originários. No caso das mulheres, elas demoraram a acessar candidaturas por inúmeras razões que incluem o machismo e o racismo, embora nas últimas eleições elas tenham alçado cargos relevantes.

VIVA O NORDESTE
Como mencionado, o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado brasileiro a permitir que elas votassem e se candidatassem. Se hoje quase 80 milhões de brasileiras votam, há mais de 90 anos esse era motivo de orgulho para a professora potiguar Celina Guimarães Viana, considerada a primeira eleitora do nosso país. Além de votar, algumas mulheres, como Júlia Alves Barbosa (Natal) e Joana Cacilda de Bessa (Pau dos Ferros), foram também eleitas ao cargo de intendente municipal, equivalente a vereador hoje. Em 1927, o Congresso Estadual do Rio Grande do Norte fez uma interpretação da Constituição e do Código Eleitoral que favoreceu o direito de voto e elegibilidade às mulheres em outros estados da federação. Assim, Alzira Soriano se tornou a primeira prefeita eleita da América do Sul, com 60% dos votos válidos. Mais tarde, Quintina Diniz assumiu uma cadeira no Legislativo de Sergipe e Maria do Céu Fernandes foi diplomada a primeira deputada estadual eleita no Rio Grande do Norte.

No outro extremo do país: Antonieta de Barros elegeu-se deputada estadual de Santa Catariana, sendo considerada a primeira mulher de seu estado e mulher negra a exercer um cargo político no Brasil.

REPRESENTAÇÃO X REPRESENTATIVIDADE
Enquanto representação é o ato de ser escolhido para falar ou agir em nome de outras pessoas ou grupos, a representatividade é a capacidade de um grupo de ser representado refletindo sua diversidade e pluralidade. Assim, mulheres diversas ocupando cargos políticos é uma expressão de REPRESENTAÇÃO. Elas vão garantir REPRESENTATIVIDADE quando espelharem as demandas de sua categoria, por exemplo estimulando cotas de mulheres em organizações públicas e privadas, normatizando o direito ao voto feminino, instituindo leis contra violência doméstica, sancionando leis contra assédio e importunação, promovendo ações para que outras mulheres ocupem postos de liderança e exercício de poder, criando estratégias para a promoção de igualdade salária ou acesso a oportunidades do mercado de trabalho, entre outros.

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