Dossiê | Cotas e Heteroidentificação

Tamiris Diversitera • Apr 09, 2024

Tudo o que você precisa saber sobre Cotas e Heteroidentificação

PRIMEIRA PARTE: AS COTAS E AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS

A lei de cotas completou 10 anos há pouco tempo no Brasil (2022), com uma revisão a seu respeito estabelecida no ano subsequente (2023). Embora dúvidas e polêmicas tenham circundado sua existência desde a sua gênese, com diferentes agentes sociais questionando sua efetividade, hoje erros no processo invocam a necessidade de discussão sobre dois pontos sensíveis e complexos: o colorismo, num Brasil miscigenado em que precisamos conversar mais sobre a categoria 'pardos' e disseminar com consistência e coerência a educação étnico-racial, e as bancas de heteroidentificação, quando erros na aferição têm sido noticiados.

Contudo, mais que superado, o debate sobre as cotas precisa de constante atualização, polimento e aprofundamento.

Pensando nisso, preparamos um dossiê, dividido em duas partes, com todas as informações necessárias para você entender mais sobre o sistema de cotas brasileiro.

1. O que são as cotas?

As cotas são ações afirmativas, geralmente destinadas a agrupamentos vulnerabilizados e sem garantias de direitos, o que os coloca em desvantagem em relação aos demais grupos e requer medidas de reparação de desigualdades. Elas são ações estabelecidas a partir do reconhecimento de que somos iguais perante a lei, mas não de fato (na prática). Uma vez isto reconhecido, múltiplos agentes sociais se movimentam para equiparar oportunidades e evitar a reprodução de erros precedentes, seja por meio de políticas públicas afirmativas ou outros dispositivos particulares. 

Peraí, mas o que são políticas afirmativas mesmo? Um jeito simples de compreendê-las é: elas afirmam a necessidade de 'ação' em relação a demandas sociais específicas, atreladas a reparação histórica. São mais amplas e abrangentes, geralmente de médio e longo prazo. As cotas são parte das políticas afirmativas, no Brasil geralmente orientadas à educação e ao mercado de trabalho. Contudo, são específicas e de curto prazo. O que nos importa é que ambas beneficiam grupos que historicamente são impactados pelas desigualdades sociais que são atestadas por estudos, seja de forma focada ou abrangente.

De volta às cotas, falamos em experiências de reserva de vagas. Importante notar que ao contrário do que muitos argumentam, as cotas não são benefícios concedidos em detrimento daqueles não incluídos em seu escopo, ao seu contexto não cabe o discurso meritocrático, tampouco alegações baseadas no decréscimo de qualidade de competências humanas (educacional e intelectual, produtividade e capacidade etc.), uma vez que elas são mecanismos de proporcionalidade que, aliados a outros, visam sanar discrepâncias sócio-culturais constatadas por meio de fatos históricos e dados que resultaram em índices de acesso restritivos para alguns.

De acordo com Lívia Sant'anna Vaz, promotora de justiça e autora do livro 'Cotas Raciais', da coleção Feminismos Plurais, ações afirmativas como as cotas são expressão da - e não exceção à - equidade. Assim, são mecanismos essenciais à construção de justiça.

Pensando no lado simbólico das cotas, é comum que se argumente que são espelhos. Como assim? Negros, indígenas, quilombolas, mulheres e pessoas com deficiência, e outros grupos, devem se enxergar como alunos, professores, pesquisadores, lideranças, servidores, juristas etc. nas universidades e para além delas, já que a política institucional e o mercado de trabalho também carecem de suas presenças em diálogo com a proporcionalidade demográfica do nosso país. Então, uma política afirmativa que garanta isso contribui para este efeito de espelhamento – é o caso das cotas.

2. Quem se beneficia com as cotas?

Como hipótese de solucionar desigualdades e gerar oportunidades, as cotas beneficiam potenciais grupos – mulheres, pessoas negras, indígenas, lgbtqiap+, com deficiência e/ou de estrato sócio-econômico específico, entre outras – que reunem características historicamente objetos de discriminação, considerando que a experiência pode variar de país para país resguardando suas idiossincrasias (características únicas).

Pessoas negras e indígenas carregam consigo todo o legado da escravização e da ausência de políticas públicas no pós abolição. Foram gerações impactadas de modo que até hoje haja necessidade de amparo em diversas áreas de direitos: trabalho, educação, moradia, liberdades etc.

Num estado democrático, por mais que a democracia seja imperfeita, é importante que os grupos e suas demandas sejam observados. No caso de pretos, pardos, indígenas e quilombolas, que, juntos, compõem parcela expressiva da nossa população, é importante que políticas públicas sejam direcionadas a eles enquanto agrupamentos étnico-raciais.

É fundamental notar que eles não são eleitos de forma aleatória, com base em achismos e interesses particulares. Diferentes estudos atestam a condição dessas pessoas. Por exemplo: no caso do grupo étnico-racial 'pessoas negras', num país em que mais de 50% das pessoas se autodeclaram pretas e pardas, apenas 5% ocupam cargos de liderança, enquanto 47,6% ocupam posições operacionais. As cotas nos provocam a pensar no porquê dessa diferença e como podemos solucioná-la.

As pessoas beneficiadas pelas cotas podem mudar no tempo e no espaço? Sim! Na medida em que a sociedade, este organismo vivo e complexo, se modifica, evolui ou regride, as políticas afirmativas vão respondendo às demandas vigentes.

E a mensagem geral é que toda a sociedade ganha algo com maior diversidade e inclusão em diferentes espaços institucionais.

3. Origem da ideia de cotas

A ideia das políticas afirmativas têm origem sindical, até onde se sabe, sendo o termo utilizado pela primeira vez na Lei Nacional de Relações Trabalhistas estadunidense como resposta a comportamentos discriminatórios de empregadores. Mais tarde, nos anos 1960, ela passou a ser associada ao contexto do movimento dos direitos civis, para pautar ações de equidade racial.

As cotas tal como as conhecemos hoje se consolidaram na Índia entre 1930 e 1940, período que culminou em sua independência, com medidas que previam cotas de representação política, cotas de contratação nos serviços públicos e cotas nas instituições de ensino superior aos dalits -- lembrando que se trata de uma sociedade estamental, que se divide em castas hereditárias com privilégios e deveres, sendo as pessoas que não integram casta alguma excluídas e alvo de preconceitos. Daí, a constituição de 1949/50 passou a prever essas medidas como política de mobilidade social. 

Após a sua experiência, outros Estados seguiram o modelo como a Malásia, a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos, a África do Sul, a Costa Rica, a Argentina, o Canadá e a Colômbia.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 abraçou esforços de reparação pautados por entidades da sociedade civil, como os movimentos negro, feminista, indigenista e outros. Apesar disso, apenas nos anos 2000 vimos seu estabelecimento em universidades. Vale ressaltar que cotas já existiam para Pessoas com Deficiência no contexto trabalhista.

4. As cotas estudantis no Brasil

Ao contrário do que se pensa, as ações afirmativas e cotas não são fruto do além, tendo nascido do nada. Pelo contrário. Foram anos de mobilização de diferentes grupos por políticas sociais, como em 1993, em que o tivemos a campanha 'Reparação Já' e o avanço que o Programa Nacional de Direitos Humanos e suas atualizações, publicados entre 1996 e 2009. Tivemos ainda a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância em Durban, África do Sul, em meados de 2001, também um marco quando o assunto são políticas afirmativas. Tá, mas o que tudo isso quer dizer? Que diferentes agentes trabalharam ao longo do tempo para sedimentar as propostas que experienciamos hoje.

No início dos anos XXI, estudos constataram que a cada 100 universitários brasileiros, apenas 2 eram pessoas negras, isso num país que, já ali, apresentava maioria preta e parda. Assimetria validada por dados, foi o momento de pensar ações para mitigar este abismo que apartou determinados grupos dos centros de conhecimento por gerações.
 
A Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, estabeleceu cotas sociais nos anos 2000. Em seguida, em 2002, tivemos a Universidade do Estado da Bahia, UNEB, aprovando em seu Conselho Superior o acesso aos seus cursos por meio de cotas. Não muito distante, em 2004, foi a vez da Universidade de Brasília, que na ocasião firmou cotas raciais, com determinação do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão para a reserva de 20% das vagas do vestibular destinadas a candidatos negros.

Um relatório sobre a implementação das políticas de cotas raciais nas universidades federais, conduzido por grupos de trabalho da Defensoria Pública da União (DPU) e da Associação Brasileiras de Pesquisadores Negros (ABNP), identificou que 36 das 59 instituções de ensino públicas, até 2012, passaram a adotas a Lei de Cotas já em 2013.

Obviamente essa efervescência não passaria despercebida. Movimentos de contra-resposta pipocaram de todos os lados, como o manifesto 'Todos têm direitos iguais na República', publicado pelo jornal Folha de São Paulo, como 114 assinaturas dentre as quais nomes importantes figuravam como Caetano Veloso e Lilia Schwarcz, incluindo docentes de diversas universidades. 

Além do quê meritocrático dos argumentos opositores que forçavam eventual inconstitucionalidade da medida, também se questionava a queda da qualidade dos cursos e a interferência no aprendizado das turmas. Mais tarde, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constatou que por volta dos anos 2008 mais de 80 instituições de ensino superior empregavam políticas afirmativas e que o desempenho dos beneficiários das cotas era igual ou superior ao dos demais estudantes. Apesar disso, a resistência seguiu. Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das cotas, partidos políticos e dirigentes das federais seguiram questionando-as.

Grandes universidades brasileiras como a Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho' (Unesp), a Universidade de São Paulo (Usp) e a Universidade de Campinas (Unicamp) têm aprovação tardia para as cotas, sendo a primeira apenas em 2013, a segunda, em 2017, e a terceira em 2019.

O que essa 'linha do tempo' significa? Entre muitas coisas, que a implementação dessas políticas nos sistemas de ensino brasileiros é relativamente recente. É quase como trocar a roda com o carro em movimento. Daí, ajustes e aprimoramentos são mais que necessários. É por isso que, em seu texto, a política de cotas prevê um momento de revisão.

5. O que diz a lei sobre as cotas estudantis?

No que diz respeito a cotas estudantis, hoje, no Brasil, o texto legal prevê que sejam contemplados: estudantes de escola pública, de baixa renda, pessoas negras, indígenas, quilombolas e com deficiência.

Num primeiro momento, a lei 12.711/2012, depois a lei 12.409/2016 (que incluiu pessoas com deficiência) definiu que:

As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE. Fonte

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser preenchidas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública. Fonte

Portanto: 50% da reserva de vagas, fatiados em 25% para estudantes de baixa renda e 25% para as demais categorias. Seguindo a proporcionalidade de cada unidade da federação. Este último dado é especialmente importante, pois leva em consideração a composição étnico-racial de cada região do país. No Amazonas, por exemplo, podemos ter mais pessoas autodeclaradas indígenas do que pretas. Daí faz sentido que a política de cotas observe essa população com especial cuidado.

Em 2023, a nova legislação (lei 14.723/2023) tornou permanente a reserva de vagas em universidades federais e instituições de ensino técnico médio federais para estes mesmos agrupamentos, adicionando agora populações quilombolas. O texto mais atualizado da lei pode ser conferido aqui.

Importante: Falamos sobre cotas para pessoas com deficiência no blog da Diversitera e no Identidade PcD. Para saber mais, acesse os materiais linkados.

6. A revisão das cotas

O texto legal das cotas previu uma etapa de revisão da política afirmativa, e isso interessa, principalmente, aos mais de 30 milhões de jovens brasileiros. Mas que significa revisar? 

Trata-se de um recurso de acompanhamento que obriga o Estado a monitorar a política pública de tempos em tempos, observando erros e acertos em sua implementação. É a partir da revisão que se entende a necessidade de ampliação, manutenção, supressão, inovações etc. Vale ressaltar que ela não 'vence' ou 'caduca'. O que pode ser feito – e foi o caso das cotas entre 2022-2023 – é o adiamento desta análise, o que resulta na extensão da vigência do texto legal mais atual.

Uma vez que ela ocorre, provavelmente a decisão apontará alterações na lei. Chegaram a tramitar no Congresso entre 60 e 70 propostas, sendo que 31 delas previam restrições ou modificações quanto ao critério étnico-racial, por exemplo suprimindo a heteroidentificação. Os principais pontos da revisão giravam em torno de:

  • Exclusão do critério étnico racial
  • Controle de fraudes
  • Investimentos em permanência estudantil
  • Vínculo com políticas de inserção de jovens no mercado de trabalho

A questão da permanência estudantil sempre foi um tema sensível quando o assunto são as cotas, sendo um exemplo importante de medidas que garantem a diversidade, mas não a inclusão. As cotas fizeram com que se diversificasse os quadros de alunos nas universidades, porém, muitas dessas pessoas travavam batalhas intensas para conseguir experienciar o ambiente acadêmico de maneira digna. Moradia, alimentação, transporte, saúde mental etc. passaram a ser temas de extrema importância para os cotistas. Daí a necessidade do estabelecimento de políticas de pós-ingressos.

Vale notar que não há o risco da Lei de Cotas ser extinta, não existem projetos que objetivem isto, quando ela permanece extremamente atual.

Em 2023, foi aprovada sua validade até 2033, quando haverá nova revisão. O novo texto inclui quilombolas, reduz a renda familiar per capita dos candidatos, cria políticas voltadas à pós-graduação e aponta outros estudos do IBGE para cálculo de proporção. Também determina uma revisão a cada ciclo de 10 anos, com monitoramento anual.

As mudanças se aplicam aos concursos públicos? Não. A lei para concursos é outra (12.990/2014) e será revista apenas a partir de 2024. Ela prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos para pessoas negras. Ao contrário da Lei 12.409/2016, essa perde validade jurídica. Sua manutenção depende da elaboração de uma nova lei e o conteúdo deve expressar a prorrogação da política de cotas por novo período.

7. FAQ: principais dúvidas sobre as cotas (raça e etnia em foco)

Frequentemente somos enquadrados com questões, mais ou menos complexas, relacionadas às cotas no Brasil. Pensando nisso, preparamos um FAQ com algumas delas, com foco na reserva de vagas para grupos étnico raciais.

1# Sozinhas, as cotas não resolvem o problema. É como enxugar gelo!

O problema são as cotas ou olhá-las isoladamente? Debater cotas requer pensamento integral, abrangente e contínuo de cidadãos e agentes públicos. Não dá para olhar a parte e esquecer o todo. Tanto a história nos oferece materialidade, quanto estudos presentes. Vale ressaltar que no Brasil a desigualdade social não é uma invenção. Ela é recorrentemente evidenciada por dados oficiais, feitos a partir de estudos científicos, como o IBGE. Além disso, enquanto observadores, conseguimos percebê-la também no nosso dia a dia. Ela existe e precisa ser combatida ou reduzida. Então, a questão é a permanente presença das desigualdades versus a ausência de direitos e políticas de inclusão e promoção de equidade, que, juntas, somariam às ações afirmativas. Teríamos assim uma espécie de pacote de enfrentamento de assimetrias, o que, hoje, avançou mas ainda é incipiente. 

2# Por que não investimos em educação básica ao invés de investir em cotas?

De fato, a educação básica é um problema que merece toda a nossa atenção. Por exemplo, o governo federal definiu um repasse mínimo anual de R $5.361,92 por aluno para 2024 pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e nacional de R$8.422,12. Em escolas particulares, reconhecidas por ensino de qualidade e pela oferta de diferentes recursos, para alunos da mesma categoria, o custo mensal por criança está em torno de R$2.000,00 a R$10.000,00. Diante dessa notável diferença, ao chegar na fase do vestibular, como elas partirão do mesmo lugar?

Neste sentido, o mais importante é reconhecer a relevância de ambas as medidas, sendo elas não excludentes e sim complementares. Ocorre que os investimentos em educação básica são entendidos como ações de médio e longo prazo, enquanto cotas são medidas de curto prazo. Ideal é que ambas caminhem juntas. Assim podemos pensar em um dia em que as cotas não sejam mais uma política necessária. Até lá, vamos dar conta das demandas mais urgentes.

3# As cotas raciais fazem aumentar o racismo. Elas incrementam a discriminação, já que os cotistas já entram na universidade estigmatizados.

Muito provavelmente cotistas sofrerão preconceito, existem inúmeros casos midiáticos evidenciando isto. Entretanto, não é uma responsabilidade das cotas, mas sim da sociedade estruturalmente racista em que vivemos. Vamos lembrar que o Brasil se utilizou amplamente do seu aparato legislativo para exclusão de grupos étnico-raciais de diferentes esferas que possibilitassem uma vida com dignidade, a educação não é exceção. Está aí a origem do imaginário racista que se perpetua nos espaços acadêmicos, é esta a raiz dos preconceitos enraizados na nossa sociedade.

4# O Nazismo e o Apartheid também eram sistemas de segregação racial. Não podemos incorrer no mesmo erro?

O Nazismo e o Apartheid foram conhecidos regimes de segregação que, sim, utilizavam o critério racial para aniquilar diferentes. Porém, a finalidade das políticas era outra, perversa desde a concepção. Ambos não falavam em incluir ou reduzir assimetrias, mas em aniquilar o diferente.

Neste sentido, o mais importante a ser assinalado quando o assunto são as cotas é: um sistema de filtragem racial já existe. Afinal, não fosse assim, sequer estaríamos falando da necessidade de inclusão de pessoas considerando, principalmente, aspectos de sua aparência. 

O que significa algoritmos darem menos relevância a pessoas negras e com deficiência nas plataformas digitais? Qual o sentido de um influenciador de quebrada ter seu rosto no banco de suspeitos da polícia 'aleatoriamente'? Por falar nela, como a instituição escolhe pessoas para suas abordagens cotidianas e por que balas vitimam, em sua maioria, jovens com a tez em cor específica?

O que a política de cotas se esforça para fazer é subverter essa ordem de forma regulada e transparente, com possibilidade de gestão do Estado e acompanhamento da população.

5# A presença de cotistas pode diminuir a qualidade do ensino nas universidades

Esse argumento foi superado. Segundo o Ipea, em estudo aqui mencionado, o desempenho de cotistas é semelhante ou superior ao dos não cotistas. Tais dados são públicos e podem ser facilmente encontrados na Internet, também de outras fontes.

6# As cotas são parte de um projeto ideológico

Difícil limitar as políticas afirmativas às ações desta ou daquela porção da política institucional, sobretudo porque historicamente elas foram idealizadas e fomentadas por agentes distintos entre si. Ademais, como vimos, elas nascem num contexto trabalhista e civil. O que podemos afirmar com certeza é que as cotas são iniciativas democráticas e garantistas (relacionadas ao cumprimento da Constituição).

7# E as pessoas brancas em vulnerabilidade socioeconômica, ficam de fora?

Para elas existem vagas orientadas pelos critérios de escola pública e renda, que na realidade compreendem a maior parte da reserva (50%).

8# Cotas não deveriam ser temporárias?

Como mencionado, elas são políticas afirmativas de curto prazo e têm momentos de revisão. Entretanto, seu tempo de vigência deve ser proporcional ao tempo de reversão de quadros de desigualdade.

8. Quais os principais desafios para as cotas no Brasil?

# Políticas de longo prazo – Como ficam as demais iniciativas, em áreas complementares, para somar às cotas?

# Fraudes – Mesmo com os mecanismos de autodeclaração e heteroidentificação seguimos com pessoas tentando se aproveitar das cotas em benefício próprio. Como tornar o processo mais criterioso diante da complexidade étnico-racial do Brasil?

# Percurso educativo invertido – Precisamos revisar o status quo, que hoje ainda se configura com alunos ricos trilhando a educação básica no ensino privado e, ao final da jornada, ingressando no ensino superior público; enquanto aos alunos do ensino público resta o ensino privado.

# Comunicação – Devemos organizar um amplo trabalho de desmistificação das cotas, assim como chamar a atenção de candidatos que não sabem que têm esse direito ou como elas funcionam. Além disso, trabalhar as cotas nas escolas, sejam elas públicas ou privadas, para conscientizar estudantes sobre a sua finalidade enquanto direito e medida a ser respeitada. No mesmo sentido, fazer com que o mercado de trabalho abrace tal política afirmativa e seus frutos.

# Letramento em DE&I perene – Desenvolver um trabalho contínuo de dissolução do imaginário preconceituoso sobre as cotas, que perpassa políticas de combate não apenas ao racismo, mas também aos outros tipos de preconceito que atravessam os membros de marcadores sociais que se beneficiam delas.

# Investimento – Recursos, entendidos de dinheiro a tempo, para que a redução das assimetrias seja uma prioridade e as cotas tenham estrutura de manutenção adequada. 

9. Dicas para se manter informado

Separamos algumas dicas para você tenha um aprendizado ativo sobre cotas:

# Estudos e Dados – Diferentes instituições, brasileiras e estrangeiras, têm feito acompanhamento das políticas afirmativas para endossá-las ou colaborar em seu aprimoramento. Pesquise! 

# Empirismo - Além estatísticas e informações externas: converse com cotistas; observe suas trajetórias na educação e no mercado de trabalho; compare fotos atuais com as de turmas antecessoras; conheça suas famílias e investigue quem chegou ao nível superior, em que idade e condições; procure as ementas dos cursos, incluindo as antigas, e observe os temas estudados e a abordagem. Em outras palavras, busque diversidade!

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BIBLIOGRAFIA

COTAS RACIAIS. Livia Sant'Anna Vaz. Feminismos Plurais. Jandaraí, 2022.

PARA ALÉM DAS COTAS: CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS. Paulo Alberto dos Santos Vieira.

POLITIZE! COTAS RACIAIS NO BRASIL. Disponível em: https://www.politize.com.br/cotas-raciais-no-brasil-o-que-sao/. Acesso em: abr/24.

POLITIZE! 10 ANOS DA LEI DE COTAS: O QUE MUDOU. Disponível em: https://www.politize.com.br/lei-de-cotas/. Acesso em: abr.24.

SENADO: SANCIONADA A LEI DE COTAS. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/14/sancionada-ampliacao-da-lei-de-cotas#:~:text=A%20Lei%20de%20Cotas%20(Lei,ensino%20m%C3%A9dio%20em%20escolas%20p%C3%BAblicas.. Acesso em: abr/24
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