OQÉ: O que são estereótipos?

Tamiris Diversitera • Feb 26, 2024

Povos indígenas: reconhecer a diversidade, abandonar estereótipos

Em abril se comemora o Dia dos Povos Indígenas. Alguns ainda devem conhecer tal data como “Dia do Índio”, e essa mudança de nomenclatura, oriunda da lei 14.402/2022, mostra algum avanço em relação a como se aborda a questão dos povos originários no Brasil. Essa mudança de nomenclatura não é desimportante. Ela reflete uma abordagem mais atenta à diversidade e às lutas dos povos indígenas. Vamos abordar neste texto, sucintamente, estereótipos associados aos povos indígenas, recentes conquistas de espaço dessas populações e alguns desafios ainda presentes. 

Dentre as muitas violências que as populações indígenas sofreram e ainda sofrem, uma é particularmente insidiosa: a que estipula o que seria um “indígena de verdade”. Há uma certa ideia que apenas podem ser considerados verdadeiramente indígenas aqueles que mantêm hábitos não afetados pela colonização portuguesa, ou seja, que moram nos mesmos territórios e que mantém sua cultura e sua língua inalteradas desde 1500. 

Essa é uma ideia violenta de várias formas diferentes. Primeiro, desconsidera o forte impacto que a colonização causou nos povos originários, que incluem escravização, perseguição, invasão de suas terras originárias e deslocamento forçado de território, entre outros. É difícil de imaginar regiões deste país que não foram modificadas social e ambientalmente, seja no período colonial, como também especialmente no pós-independência e as campanhas governamentais de interiorização do Brasil (sem mencionar as invasões ilegais que ocorrem diariamente em terras demarcadas). 

Segundo, também se desconsidera a própria modificação de hábitos e de cultura naturais a qualquer passagem prolongada de tempo na sociabilidade humana. Pressupor que “indígenas legítimos” seriam aqueles “parados no tempo” retira desses povos a prerrogativa que seus hábitos, língua e modos de subsistência possam ser mudados. Ainda, invisibiliza o ponto anterior, do impacto do modo de vida do colonizador por estas terras. 

Terceiro, ao estabelecer o que seria um padrão e ideal de indígena, cria-se uma regra excludente com aqueles que vivem em zonas urbanas ou que, por qualquer outro motivo, não se adequam ao estereótipo do “indígena de verdade”. Aliás, essa própria ideia é em si extremamente problemática, pois apaga a grande diversidade cultural e étnico-racial dos povos originários brasileiros, que têm importantes diferenças entre si. 

A ideia de “indígena de verdade” nada mais é que um estereótipo, que são crenças compartilhadas a respeito de um determinado grupo na sociedade. Essas crenças podem ter aspectos (ênfase nas aspas) “positivos” (como, por exemplo, a visão romântica do índigena ligado à natureza) mas, também, componentes negativos (o selvagem, o preguiçoso, etc). Desde a chegada das populações europeias no Brasil, uma série de crenças foram criadas e reiteradas sobre as populações originárias, muitas delas usadas como justificativa para a dominação. Mas talvez o crucial dessas crenças passa por uma ideia de inferioridade atribuída a esses povos, como se vivessem no passado ou representassem um estágio de civilização abaixo do padrão europeu (ou seja, mais uma faceta do racismo). Dupla violência, portanto: atribui-se a eles a ideia de “não-civilizado”, e quando estão mais inseridos na cultura branca, não são “autênticos”.
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Hoje e cada vez mais populações indígenas de variadas etnias estão ocupando espaços importantes na sociedade brasileira. Um exemplo de destaque são as universidades, em que a presença dessas populações está paulatinamente maior e representativa. Um fator importante foram as políticas de ações afirmativas e de reservas de vagas, muitas vezes acompanhadas por ações de permanência estudantil. Também na política há maior presença: Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários, Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a presidir a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), além de várias outras lideranças pelo país que chamam atenção para as lutas e as demandas dessas populações.

O mercado de trabalho continua sendo um desafio, porém. Pense em quantos dos seus colegas no seu contexto de trabalho são de origem indígena? Na verdade, esse é um problema que afeta as pessoas não-brancas como um todo no Brasil, que têm menos acesso à educação e aos postos de trabalho formais, precisando recorrer à informalidade para obter acesso à renda.

Nesse sentido, é crucial para as empresas comprometidas com D&I, ao abordar o marcador étnico-racial, considerar também a diversidade das populações indígenas e pensar em ações específicas, inclusive pensando em como agregá-las ou como tornar a empresa mais atrativa para essas populações. Aí vão algumas dicas para você e sua organização abordarem o tema de forma apropriada:

Não caia em estereótipos: evite generalizações quando for falar sobre as populações originárias, mesmo que você considere alguma característica como “positiva”;
Reconheça a diversidade: relacionado ao ponto anterior, existem diversas etnias diferentes de populações indígenas no Brasil, com línguas, culturas e hábitos distintos, e além disso, muitos povos indígenas vivem e estão integrados ao ambiente urbano sem, por isso, deixarem de ser indígenas;
Escute e aprenda: essa é uma dica que vale para todos os marcadores. A melhor forma de avançar em um determinado tema é ouvindo as pessoas diretamente implicadas no assunto, e aprendendo sobre suas histórias e seus desafios.

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Felipe Demetri | Líder de Projetos
Psicólogo e Mestre em Psicologia com ênfase em Processos de Subjetivação, Gênero e Diversidades (UFSC). Doutorando em Psicologia na área de Psicologia Social e Cultura e pesquisador do Núcleo Margens - Modos de vida, família e relações de gênero. Pesquisa nos seguintes temas: gênero, sexualidade, subjetividade, diversidade. É autor do livro "Judith Butler: Filósofa da Vulnerabilidade" (ed. Devires, 2018). Tem atuação profissional, a partir da psicologia, na área de gênero, diversidade e masculinidades.
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