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Por Tamiris Diversitera 07 mar., 2024
Felipe Demetri e Maurício Nisiyama “Vivemos em uma constante competição que separa o mundo entre ‘ganhadores’ e ‘perdedores’, esconde privilégios e vantagens e justifica o status quo por meio de ideias como ‘eu quero, eu posso, eu consigo’ e ‘quem acredita sempre alcança’. O resultado concreto é um mundo que reforça a desigualdade social e culpabiliza as pessoas” (Michael Sandel, “A Tirania do Mérito”) É uma crença bastante compartilhada que nosso sucesso depende inteiramente de nós mesmos – ou seja, que é nosso mérito. Porém, o outro lado dessa moeda é que, se o sucesso depende somente de nós, também o fracasso é nossa própria culpa. Deixamos de considerar que existem outros fatores em jogo, fora de nosso escopo. Essa crença é ancorada numa visão de mundo baseada meramente nas ações e omissões de uma pessoa, sem considerar contextos maiores, como se o mundo estivesse sendo imaginado do ponto de vista de um experimento hipotético e superficial de Física (ou seja, sem considerar atrito e outras forças). Mas são justamente essas “outras forças” que são cruciais para entendermos e colocarmos em contexto as dinâmicas dos sucessos e dos fracassos. Essa ideia, que compõe o panorama maior do ideal meritocrático, é especialmente – e preocupantemente – compartilhada nas organizações. Se nos esforçarmos, atingimos nossos objetivos. Basta querer. Basta lutar. E se você não se esforça, você merece seu fracasso, e não terá lugar entre nós. Será mesmo? Nos últimos tempos, algumas discussões sobre meritocracia têm sido travadas no âmbito corporativo. Elas se inserem em debates mais amplos sobre diversidade, equidade e inclusão (DE&I). A verdade é que políticas e ações de DE&I frequentemente vão de encontro a um certo ideal meritocrático que permeia a cultura de muitas empresas e organizações. Embora muitos temas deste território já sejam bastante aceitos, debater mais especificamente a meritocracia parece esbarrar em resistências maiores A seguir, listamos seis reflexões para desmistificar a meritocracia, um dos maiores paradigmas corporativos: 1# “Por meio do meu esforço, alcanço o que eu quero!” É compreensível que a ideia de que “basta se esforçar para atingir o sucesso” seja tão difundida. Ela parte de um desejo de justiça e, também, de liberdade: quem se esforça mais, independente de sua origem, independente de sua aparência e demais características, pode chegar nos lugares mais altos da sociedade; o indivíduo, portanto, tem um controle sobre seu próprio destino, podendo atingir seus objetivos e abandonar a sua condição original. Então é no mínimo natural que muitas pessoas tenham alguma aspiração meritocrática. Quando falamos de meritocracia, a ideia implícita é que estamos descrevendo um sistema que vai recompensar as pessoas de forma justa, na exata medida do seu esforço. A verdade é que, em algum nível, todos nós acreditamos em alguma versão da meritocracia. Entretanto, devemos opor a dura realidade: em um país tão desigual, pessoas que conseguem ascender socialmente são a exceção. Segundo o relatório da OCDE A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility (2018), uma pessoa pobre no Brasil precisaria de pelo menos 9 gerações familiares para chegar à classe média; portanto, o Brasil é um país de baixíssima mobilidade social. As histórias de superação, de pessoas que vieram do nada e conseguiram romper as amarras da pobreza, não são a regra, e não devem servir para justificar que, portanto, nada deva ser feito. Na verdade, na medida em que “nada é feito”, o resultado é limitar o acesso a oportunidades melhores. Pessoas de classes menos favorecidas enfrentam inúmeros entraves para acessar educação de qualidade, saúde, transporte, moradia digna, oportunidades de trabalho e renda… todos esses fatores influenciam grandemente a mobilidade social. É como se, numa corrida, os juízes impedissem a sua partida no mesmo tempo que os seus colegas; portanto, você apenas pode olhar enquanto os outros largam na frente. 2# “Mas aqui somos todos iguais, o mérito depende de cada um” Perante a lei somos todos iguais - pelo menos é o que diz a Constituição Federal. Essa é, contudo, uma igualdade apenas formal, do ponto de vista da lei. Na prática, temos diferenças sociais gigantescas no Brasil. E olhar através do ângulo dos marcadores sociais - gênero, raça, cor e etnia, deficiência - revela distâncias ainda maiores: mulheres ganham 79% do rendimento total dos homens (IBGE 2018); o rendimento médio de trabalhadores brancos (R$ 3.273) é consideravelmente maior que o de pretos e pardos (R$ 1.994) (IBGE 2022); apenas 25,4% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar possuem algum emprego, enquanto para as sem deficiência o número é de 60% (IBGE, 2019). Então, aquela igualdade formal é matizada por realidades muito distantes - e oportunidades de acesso a emprego, educação e renda que tendem a valorizar determinados grupos sociais em detrimento de outros. Muitas pessoas tendem a invocar uma ideia de “igualdade” na hora de conduzir (ou, melhor, não conduzir) suas políticas de DE&I. “Não podemos criar distinções entre as pessoas, portanto, é melhor não aplicar política nenhuma!”. Aqui precisamos relembrar uma ideia importante: privilégio. O que são privilégios? São as vantagens sociais implícitas que determinados grupos da sociedade desfrutam. Ter acesso a uma educação privada, aulas de inglês, ter tempo disponível para estudos, sem precisar trabalhar… são situações que, para quem está imerso nelas, são “naturais”; mas quem vive uma realidade desfavorecida está frequentemente consciente das coisas das quais não pode desfrutar e de lugares que não poderá alcançar. Que não se confunda: privilégios não são direitos básicos, aos quais todos os cidadãos devem ter acesso! Um estudo realizado em parceria pela Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Bocconi, na Itália, mostrou que crianças nascidas em famílias dentre as 20% com menor renda no Brasil têm 46% de chance de permanecer nesta base quando adultas. O mesmo estudo mostrou ainda que a ascensão de renda é ainda mais difícil para meninas e crianças não brancas, quando comparado com meninos e crianças brancas. Então, em vez de pensarmos em termos de mera “igualdade”, é mais oportuno pensarmos na “equidade”. Você sabe o que é equidade? Na equidade estamos falando da situação concreta das pessoas, das dificuldades de acesso, dos diferentes pontos de partida e, sim, de privilégios. Significa reconhecer a existência de legados históricos e realidades presentes de opressão e exclusão que colocam certos grupos em desvantagem em relação a outros. Por isso, a ideia de meritocracia chega a ser insustentável, principalmente num contexto como temos no nosso país. Se quiser aprender a diferenciar equidade e igualdade, a Diversitera tem um texto falando especificamente disso com mais profundidade: https://www.diversitera.com/voce-sabe-diferenciar-igualdade-e-equidade 3# A corrosão da solidariedade e bem comum na sociedade Um efeito perverso do ideal meritocrático é o de corroer a solidariedade na sociedade. Ao se colocar em evidência o mérito e o esforço individual, acaba-se na mesma medida desvalorizando a cooperação e o trabalho conjunto. A verdade é que a maioria das “nossas” conquistas são atravessadas por outras pessoas. Os professores que nos ensinaram, a família que deu suporte, colegas de trabalho que contribuíram… nossa vida é irremediavelmente social. Mesmo o mais solitário dos trabalhos depende de algum tipo de “infra-estrutura” que dê condições para o sucesso. No fundo, a meritocracia apenas intensifica a desigualdade e, com o perdão do pleonasmo, privilegia aqueles já privilegiados. Sem os mecanismos para democratizar acesso a oportunidades, os mesmos grupos socioeconômicos tendem a continuar ocupando as posições de poder, e os grupos que enfrentam obstáculos permanecem excluídos. Isso reitera uma desconexão entre os estratos sociais, colocando obstáculos à empatia e à solidariedade. Ainda, outra ideia implícita da meritocracia é uma certa mentalidade de escassez, em que o sucesso de um é lido como uma ameaça ao sucesso dos outros. É o incômodo causado quando grupos historicamente minorizados começam a ocupar outros espaços de prestígio e de poder. Confiar cegamente na meritocracia e, por exemplo, ver as ações afirmativas como uma ameaça, como uma “interferência artificial”, na verdade apenas expõe a própria artificialidade dos sistemas de privilégios, que outorgam vantagens para determinados grupos. A saída passa por deixar de lado a desconfiança e a rivalidade, e apostar na solidariedade como forma de superar os preconceitos arraigados. Afinal, voltando para a Constituição Federal, no seu artigo 3º, é função do Estado brasileiro criar uma sociedade mais justa, solidária e sem discriminação. Então desse ponto de vista, uma melhoria de acessos e oportunidades para as pessoas menos favorecidas na sociedade é um direito, é algo que está no espírito da nossa lei maior. Podemos dizer, então, que também a equidade, que falamos no ponto anterior, além da igualdade, estão consagradas na nossa constituição. 4# Efeitos psíquicos da meritocracia Até aqui falamos de aspectos mais sociais da meritocracia e seus efeitos. Mas também é preciso falar sobre o impacto pessoal, as consequências individuais que ela pode trazer. É o que falamos no início, sobre a crença que meu sucesso - e o meu fracasso - dependem apenas de mim. Por um lado, isso pode tornar “arrogante” as pessoas que estão em estratos mais altos. Independente ou não dos seus esforços - e reconhecemos que eles têm sim uma participação em qualquer ascensão social -, quem olha de cima para baixo pode pensar, como frequentemente é o caso, que quem é menos favorecido apenas não se esforçou o suficiente. Uma auto-avaliação genuína e sincera pode ser um ponto de partida. Fazer algumas perguntas a si mesmo, como “tive acesso a alimentação saudável durante a minha vida?”; “estudei em boas escolas, pude aprender uma segunda língua, tive acesso a eventos culturais, viagens etc.?”; “saio de casa sem documento sem receio?”, “Posso praticar a minha religião sem qualquer ressalva?”. Se a resposta é sim, você já está alguns degraus à frente de uma grande parcela da população. Às vezes basta fazer o “teste do pescoço” nos ambientes que frequentamos e observar um pouco das características gerais das pessoas que estão ao redor. Por outro lado, isso pode gerar em pessoas de classes menos favorecidas um circuito de auto-culpabilização que pode ter impactos na saúde mental. Atribuir a si mesmo todas as razões da falta de sucesso é um caminho perigoso. É preciso ser dito: muitas vezes uma oportunidade é mera questão de sorte, do acaso. Estar no lugar certo, na hora certa, conhecer as pessoas certas. As chances podem ser melhoradas, claro, mas é injusto culpabilizar (e se auto-culpabilizar) por fatores que estão além de nossas mãos. 5# Relações da meritocracia com DE&I: a importância de integrar as ações Finalizando, pensemos numa situação hipotética. Uma empresa que democratizou o acesso a suas vagas, através de programas e vagas afirmativas, o que acabou tornando mais diverso seu corpo de funcionários e seus líderes. Como sempre insistimos na Diversitera, além de ser o correto socialmente, esse tipo de aposta gera resultados para as empresas, e vem sendo cada vez visto como uma vantagem competitiva. Então se tenho um corpo de funcionários diverso, está tudo bem, fiz o meu dever de casa, e agora estão todos em pé de igualdade. Será? Aqui precisamos retornar à ideia de privilégio. Ele continuará operando, mesmo nessa situação hipotética em que o acesso às oportunidades foi mais democratizado. E os grupos minorizados continuarão sendo alvo de desvantagens e violências desproporcionais. As violências que permeiam a sociedade também se fazem presentes no ambiente de trabalho. São comportamentos como, por exemplo, as microagressões, as pequenas ações humilhantes no dia a dia de uma pessoa. Pensemos então em um homem e uma mulher num ambiente de trabalho, no mesmo cargo ou função, mas a mulher sofrendo com assédios, piadinhas, comentários sobre sua beleza. Pensemos um funcionário negro sofrendo as várias facetas do racismo. Uma pessoa LGBTQIAP+ sofrendo violências lgbtfóbicas. Uma pessoa com deficiência sofrendo os males do capacitismo. Podemos legislar sobre a igualdade no ambiente de trabalho, mas na prática há uma série de situações constrangedoras a que esses grupos são expostos. Isso pode afetar a produtividade dos grupos minorizados, afetando também o seu senso de pertencimento e sua auto-estima. Portanto, as ações de DE&I precisam ser integradas: não basta apenas tornar o corpo de funcionários mais diverso. É preciso garantir que haja oportunidades para grupos minorizados ocuparem também os cargos mais altos, de liderança. É preciso que se crie um clima de inclusão e respeito. É preciso que os funcionários pertencentes a esse grupo sintam segurança que sua organização não tolera formas de discriminação, e que dará apoio necessário caso uma situação dessas ocorra. É preciso, portanto, tornar DE&I também parte da cultura e da agenda da empresa. 6# Cultura organizacional, liderança e meritocracia Por falar em cultura, Peter Druker, famoso pensador na área de gestão, já dizia: a cultura come a estratégia no café da manhã. As pessoas em posições de liderança exercem um papel protagonista na cultura organizacional, atuando como embaixadores para disseminar valores, propósitos e identidade. E qual o impacto de uma cultura meritocrática em tudo isso? Castilla e Bernard publicaram em 2010 um artigo chamado “O paradoxo da meritocracia nas organizações” mostrando que quando as organizações se apresentam como meritocráticas as pessoas em posições de gestão favorecem colaboradores homens em relação às mulheres com igual qualificação com maior pagamento de recompensas monetárias. Castilla já havia publicado anteriormente o impacto de vieses na recompensa atrelada à performance, identificando que homens brancos tendem a receber maiores aumentos salariais ao longo do tempo em comparação a mulheres e pessoas não brancas com mesma pontuação na avaliação de performance. Os autores apontam para possíveis explicações a esses fenômenos: “quando a cultura de uma organização inclui forte crença de que ela é meritocrática, e particularmente quando os próprios gestores endossam explicitamente essa crença, ocorre uma forma de ‘credenciamento moral meritocrático’ que torna mais provável um viés no futuro. Uma cultura organizacional que orgulha-se da meritocracia pode encorajar o preconceito ao convencer os gestores de que eles próprios são imparciais, o que por sua vez pode desencorajá-los de examinar atentamente seus próprios comportamentos em busca de sinais de preconceito.” Essa reflexão vai de encontro com a ideia de “arrogância meritocrática” que trouxemos no item 4 e também com argumentos de Maia, Tinoco e Zamora (2023), que colocam a autoestima do gestor diretamente relacionada a defesa da meritocracia, já que a cognição de que apenas o trabalho traz o sucesso reforça a imagem positiva que ele tem de si mesmo na posição de liderança e suas atitudes e comportamentos seriam enviesados a partir dessa ótica. Assim, homens brancos, frequentemente maioria nos cargos mais altos das empresas, teriam um grande desconforto e um abalo na autoestima se pensassem que o sucesso nas suas carreiras não fossem resultado do próprio trabalho, mas também por um privilégio de gênero e étnico-racial. Portanto, os diálogos e reflexões sobre meritocracia são fundamentais das diferentes esferas: individual, organizacional e social. ____________________________ Num treinamento ou palestra sobre Meritocracia, o que a Diversitera compartilha? Durma enquanto eles dormem: problematizando a meritocracia Diz o senso comum que se alguém se esforçar, todo mundo consegue chegar lá (onde quer que “lá” seja). Mas, será que o esforço individual é mesmo o único elemento capaz de compensar as adversidades pelas quais pessoas de determinados marcadores passam ao longo de suas vidas? Será que o esforço individual é mesmo capaz de superar os diversos privilégios que várias pessoas possuem, às vezes herdam de outrem? Aqui a gente propõe questionar essa ideia tão difundida de que para conseguir, basta querer e se esforçar. Afinal, a realidade é bem mais complexa do que isso. Tópicos abordados: ● É possível falar em meritocracia em uma sociedade tão desigual? ● Diferentes realidades, diferentes oportunidades ● Meritocracia e equidade Quer seguir a conversa? A Diversitera tem um conjunto de soluções adequado a realidade da sua organização. contato@diversitera.com ____________________________ Maurício | Sócio-Fundador | DIRETOR COMERCIAL Cofundador e Diretor Comercial da Diversitera, professor da FIA em disciplinas como Diversidade, Equidade e Inclusão e Marketing B2B. Desenvolveu uma parte da carreira na indústria química como executivo de Marketing na Dow, ANGUS Chemical e Rhodia Solvay. Após 10 anos, a busca por um novo propósito profissional levou Maurício a empreender e cofundar uma startup de diversidade, equidade e inclusão. Tem mestrado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), Pós-Graduação pela Fundação Dom Cabral (FDC) e é graduado em administração e fisioterapia pela USP. Felipe Demetri | Líder de Projetos Psicólogo e Mestre em Psicologia com ênfase em Processos de Subjetivação, Gênero e Diversidades (UFSC). Doutorando em Psicologia na área de Psicologia Social e Cultura e pesquisador do Núcleo Margens - Modos de vida, família e relações de gênero. Pesquisa nos seguintes temas: gênero, sexualidade, subjetividade, diversidade. É autor do livro "Judith Butler: Filósofa da Vulnerabilidade" (ed. Devires, 2018). Tem atuação profissional, a partir da psicologia, na área de gênero, diversidade e masculinidades. Referências: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2018. A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Divulgação Especial, Mulheres no Mercado de Trabalho. Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Estudos_especiais/Mulheres_no_Mercado_de_Trabalho_2018.pdf _____, 2022. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise da condição de vida da população brasileira. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2023/12/sis-ibge-2023.pdf _____, 2019. Pesquisa Nacional de Saúde. Disponível em: https://www.pns.icict.fiocruz.br/wp-content/uploads/2021/12/liv101846.pdf Diogo G. C. Britto, D.G.C.; Fonseca, A.; Pinotti, P.; Sampaio. B.; Warwar, L. Intergenerational Mobility in the Land of Inequality. CESifo Working Papers, 2022 Castilla, E.J. Gender, Race, and Meritocracy in Organizational Careers. American Journal of Sociology, v. 113 (6), 2008. p.1479–1526 Castilla, E.J. The Paradox of Meritocracy in Organizations. Administrative Science Quarterly, v. 55, 2010. 543–576 Maia, K.S.; Tinoco, P.R.A.; Zamora, M.H.N. A Branquitude sob o olhar transdisciplinar das psicologias sociais e crítica. Contemporary Journal, v.3 (6). 2023. p.5840-5861
Por Tamiris Diversitera 26 fev., 2024
Em abril se comemora o Dia dos Povos Indígenas. Alguns ainda devem conhecer tal data como “Dia do Índio”, e essa mudança de nomenclatura, oriunda da lei 14.402/2022, mostra algum avanço em relação a como se aborda a questão dos povos originários no Brasil. Essa mudança de nomenclatura não é desimportante. Ela reflete uma abordagem mais atenta à diversidade e às lutas dos povos indígenas. Vamos abordar neste texto, sucintamente, estereótipos associados aos povos indígenas, recentes conquistas de espaço dessas populações e alguns desafios ainda presentes. Dentre as muitas violências que as populações indígenas sofreram e ainda sofrem, uma é particularmente insidiosa: a que estipula o que seria um “indígena de verdade”. Há uma certa ideia que apenas podem ser considerados verdadeiramente indígenas aqueles que mantêm hábitos não afetados pela colonização portuguesa, ou seja, que moram nos mesmos territórios e que mantém sua cultura e sua língua inalteradas desde 1500. Essa é uma ideia violenta de várias formas diferentes. Primeiro, desconsidera o forte impacto que a colonização causou nos povos originários, que incluem escravização, perseguição, invasão de suas terras originárias e deslocamento forçado de território, entre outros. É difícil de imaginar regiões deste país que não foram modificadas social e ambientalmente, seja no período colonial, como também especialmente no pós-independência e as campanhas governamentais de interiorização do Brasil (sem mencionar as invasões ilegais que ocorrem diariamente em terras demarcadas). Segundo, também se desconsidera a própria modificação de hábitos e de cultura naturais a qualquer passagem prolongada de tempo na sociabilidade humana. Pressupor que “indígenas legítimos” seriam aqueles “parados no tempo” retira desses povos a prerrogativa que seus hábitos, língua e modos de subsistência possam ser mudados. Ainda, invisibiliza o ponto anterior, do impacto do modo de vida do colonizador por estas terras. Terceiro, ao estabelecer o que seria um padrão e ideal de indígena, cria-se uma regra excludente com aqueles que vivem em zonas urbanas ou que, por qualquer outro motivo, não se adequam ao estereótipo do “indígena de verdade”. Aliás, essa própria ideia é em si extremamente problemática, pois apaga a grande diversidade cultural e étnico-racial dos povos originários brasileiros, que têm importantes diferenças entre si. A ideia de “indígena de verdade” nada mais é que um estereótipo, que são crenças compartilhadas a respeito de um determinado grupo na sociedade. Essas crenças podem ter aspectos (ênfase nas aspas) “positivos” (como, por exemplo, a visão romântica do índigena ligado à natureza) mas, também, componentes negativos (o selvagem, o preguiçoso, etc). Desde a chegada das populações europeias no Brasil, uma série de crenças foram criadas e reiteradas sobre as populações originárias, muitas delas usadas como justificativa para a dominação. Mas talvez o crucial dessas crenças passa por uma ideia de inferioridade atribuída a esses povos, como se vivessem no passado ou representassem um estágio de civilização abaixo do padrão europeu (ou seja, mais uma faceta do racismo). Dupla violência, portanto: atribui-se a eles a ideia de “não-civilizado”, e quando estão mais inseridos na cultura branca, não são “autênticos”. - Hoje e cada vez mais populações indígenas de variadas etnias estão ocupando espaços importantes na sociedade brasileira. Um exemplo de destaque são as universidades, em que a presença dessas populações está paulatinamente maior e representativa. Um fator importante foram as políticas de ações afirmativas e de reservas de vagas, muitas vezes acompanhadas por ações de permanência estudantil. Também na política há maior presença: Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários, Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a presidir a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), além de várias outras lideranças pelo país que chamam atenção para as lutas e as demandas dessas populações. O mercado de trabalho continua sendo um desafio, porém. Pense em quantos dos seus colegas no seu contexto de trabalho são de origem indígena? Na verdade, esse é um problema que afeta as pessoas não-brancas como um todo no Brasil, que têm menos acesso à educação e aos postos de trabalho formais, precisando recorrer à informalidade para obter acesso à renda. Nesse sentido, é crucial para as empresas comprometidas com D&I, ao abordar o marcador étnico-racial, considerar também a diversidade das populações indígenas e pensar em ações específicas, inclusive pensando em como agregá-las ou como tornar a empresa mais atrativa para essas populações. Aí vão algumas dicas para você e sua organização abordarem o tema de forma apropriada: Não caia em estereótipos: evite generalizações quando for falar sobre as populações originárias, mesmo que você considere alguma característica como “positiva”; Reconheça a diversidade: relacionado ao ponto anterior, existem diversas etnias diferentes de populações indígenas no Brasil, com línguas, culturas e hábitos distintos, e além disso, muitos povos indígenas vivem e estão integrados ao ambiente urbano sem, por isso, deixarem de ser indígenas; Escute e aprenda: essa é uma dica que vale para todos os marcadores. A melhor forma de avançar em um determinado tema é ouvindo as pessoas diretamente implicadas no assunto, e aprendendo sobre suas histórias e seus desafios.
26 fev., 2024
Vamos falar de um aspecto que vem ganhando relevância no debate público recentemente? A questão do uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero, no caso daqueles espaços de uso coletivo, o que é especialmente relevante quando pensamos no ambiente de trabalho. Ao contrário do que se imagina, isso tem tudo a ver com uma palavrinha conhecida no universo das Pessoas com Deficiência, mas que cabe a esse contexto: a acessibilidade. A luta pelos banheiros: pessoas trans e a afirmação de um direito Ainda há muitas dúvidas que permeiam essa questão, então é oportuno trazer alguns esclarecimentos a partir de dados e informações, pois estamos falando de um grupo - as pessoas trans - discriminado e excluído socialmente, cujo percurso é marcado por fake news e notícias sensacionalistas, as vezes criminosas, que pouco nos ajudam a compreendê-la. Primeiro, precisamos ser pragmáticos e garantistas. O uso de banheiros públicos de acordo com a identidade de gênero é fundamental para o bem-estar de pessoas trans. Pessoas cis tomam esse direito como dado, esquecendo-se ou ignorando que é constitucionalmente previsto que todos tenhamos acesso à saúde (Art. 196) e a uma vida digna (Art. 5). Segundo, sequer refletimos sobre a existência e finalidade de uma coisa tão corriqueira, certo? Porém, para algumas populações ela é evidência seu lugar de marginalização na sociedade. Pessoas trans relatam dificuldades e constrangimentos na hora de acessar esses espaços. Por isso, a conversa sobre o uso dos banheiros é também sobre acessibilidade, observando o conceito de forma mais alargada. Ambientes de trabalho devem prezar pela acessibilidade de todos, garantindo o direito básico de ser autêntico nesses espaços, em que o respeito deve ser um alicerce fundamental. Parêntesis: o futuro é acessível Acessibilidade é também uma questão de justiça social, a supressão de barreiras extrapola a agenda PcD e tecnologias assistivas apontam para o futuro. Tudo isso é campo de oportunidades para as organizações que podem rever produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços. Acesso é sobre garantia de direitos básicos, como educação, saúde de qualidade, renda e até entretenimento. Construí-los, sobretudo para as organizações, deve ter o sentido alargado a partir do entendimento de que são os meios para que as pessoas possam viver dignamente e em sua plena potência. Para tanto, devemos derrubar barreiras, sejam elas físicas ou atitudinais. Uma lupa sobre a identidade de gênero Há alguns aspectos que precisam ser compreendidos para que possamos melhor compreender o uso dos banheiros de acordo com a identidade de gênero. Comecemos por ela: a identidade de gênero se refere ao gênero com a qual uma pessoa se identifica. As pessoas podem ser cisgêneras, ou seja, pessoas que se identificam com o mesmo gênero ao qual foram atribuídas na nascença; temos também as pessoas transgênero, aquelas que que identificam com gênero diverso daquele atribuído na nascença. Elas são múltiplas e têm vivências plurais, e suas experiências estão para além do aspecto médico, hoje ultrapassado para dar lugar a um olhar mais amplo e acolhedor sobre as suas idiossincrasias. Isso porque, antigamente, o direito de mudança de nome, por exemplo, estava associado ao processo de redesignação sexual e a um enquadramento dentro da Classificação Internacional de Doenças. Felizmente uma decisão recente do STF, de 2018, mudou esse entendimento: não é mais necessário, juridicamente, para a mudança de nome no registro civil, qualquer tipo de cirurgia, laudo ou decisão judicial específica. Isso respeita um aspecto importante: cada transição de gênero será diferente e particular, pois fundamentalmente estamos falando de pessoas com trajetórias e experiências diferentes, que não cabem a rótulos cristalizados e inflexíveis. Pessoas trans, podem ter, aliás expressões de gênero mais ambíguas, que não responderão ao binarismo com o qual o mundo cis está habituado. Daí a necessidade de desenvolver e estabelecer uma cultura de respeito a sua dignidade, e que abrace as muitas formas de ser e existir que existem na nossa sociedade. Dizer não a questão dos banheiros e negar a elas direitos é seguir promovendo a sua marginalização. Vamos superar a Era das Fake News? A questão dos banheiros virou objeto de fake news (notícias falsas) e de pânico moral, que é uma amplificação ou distorção de algum medo na sociedade. Essa histeria que se cria está a serviço do que ou de quem? Ela nos ajuda a avançar nas pautas antidiscriminatórias ou fortalece um imaginário preconceituoso? Num passado recente, por exemplo, notícias falsas que circularam em diferentes canais de informação sugeriam que pessoas trans reivindicavam “banheiro unissex”, sendo que esta não é uma demanda dessa população. A busca delas mira o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero autodeclarada. Também são comuns rumores de que mulheres cis possam ser alvo de violência ou importunação por parte de pessoas trans nos banheiros públicos. Sobre isso, os dados mostram que o ambiente onde as mulheres cis estão mais em risco é, infelizmente, em casa: segundo o 'Relatório Sem Deixar Ninguém Para Trás', 63,16% dos estupros acontecem em seus lares, com algum conhecido. Esses rumores também distorcem a violência que mulheres trans sofrem: dados do SUS sobre notificações de violência contra LGBTs no Brasil entre 2015 e 2017 mostram que 46% das vítimas foram mulheres transexuais ou travestis. "Ah, mas então homens cis poderiam então usar roupas femininas para adentrar banheiros públicos e fazê-lo?". Até podem, embora sejam casos isolados. Mas daí vale refletir: será mesmo uma questão para pessoas trans pensarem? Ou isso pouco tem a ver com elas, e cabe ao grupo cisgênero rever-se e autoregular-se diante de um comportamento criminoso? Ou ainda, repensar os espaços para que se tornem seguros para todos? O que diz a lei brasileira? Não há leis que tratem especificamente sobre pessoas trans no Brasil, embora haja um caso a ser julgado no STF sobre essa matéria em nível de recurso extraordinário (RE 845779), podendo causar efeito de repercussão geral. Contudo, é sempre oportuno lembrar que: – Como já dito, a Constituição Federal, no Art. 3º, estabelece como um dos objetivos da república: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; – O Ministério Público do Trabalho, na nota técnica 02/2020 de sua Coordenaria da Promoção de Igualdade e Eliminação da Discriminação do Trabalho, orienta que empresas, órgãos públicos e empregadores em geral, devem seguir alguns princópios para a proteção do público LGBTQIAP+, entre eles a garantia ao nome social e, também, o uso de banheiros conforme a identidade de gênero; – A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em sintonia com a lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), determina a garantia e a permanência de pessoas travestis, trans e de qualquer identidade de gênero em qualquer espaço social nos sistemas e instituições de ensino (o que inclui os trabalhadores locais); – A legislação trabalhista no Brasil veda qualquer prática discriminatória e prevê multa administrativa às empresas que não a respeitarem. – O Brasil é um importante sujeito internacional, tendo ratificado a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre 'Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação', que versa sobre Direitos Humanos e reconhece a necessidade de proteção as pessoas LGBTQIAP+. O que minha organização pode fazer? Cada vez mais o mercado de trabalho vem se adaptando para incluir pessoas diversas nos seus quadros, incluindo pessoas trans. Isso demanda a criação de um ambiente inclusivo para todos: é preciso que essa inclusividade seja fomentada na forma de ações concretas. A questão do uso do banheiro, na verdade, é apenas um ponto nevrálgico de tensões que está relacionado a outros aspectos fundamentais, como o respeito, a dignidade, o letramento em aspectos de diversidade, entre outros. Separamos algumas iniciativas para tratar essa questão na sua organização: > Primeiro, incluir pessoas trans no ambiente de trabalho requer que sejam adotadas algumas políticas de respeito, que incluem a garantia do uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero. Essa política precisa estar concatenada com outras que visam garantir o respeito e o bem-estar dessas pessoas, como a garantia do respeito ao nome social, que é o nome pelo qual a pessoa trans deseja ser chamada e que possui a mesma proteção concedida ao nome de registro. As empresas também precisam adequar seus sistemas para prever essa situação e evitar constrangimentos. > Segundo, treinamento e sensibilização dos funcionários. Apesar de termos já muita informação disponível, isso não significa qualidade, além de que muitas pessoas ainda desconhecem temas ligados à diversidade ou têm dúvidas que podem ser sanadas por especialistas. Treinamentos e sensibilização são medidas efetivas para aumentar o letramento e, consequentemente, o respeito. > Terceiro, invista em recrutamento de pessoas diversas. Um passo crucial para criar um ambiente mais igualitário é tornar sua empresa mais diversa. Isso envolve repensar os métodos de recrutamento e seleção. Também envolve uma atitude mais proativa em relação à comunidade trans, como parceria com organizações que lidam com a causa LGBTQIAP+.
Por Tamiris Diversitera 26 fev., 2024
RAÇA E ETNIA NÃO É SÓ SOBRE PESSOAS NEGRAS Gerir a diversidade cultural é um dos grandes desafios destes tempos! O Brasil é um berço multicultural onde populações de diferentes etnias se abrigam, o que significa que várias concepções de mundo se reúnem em um só lugar. Apesar disso, por vezes, sabemos muito pouco sobre os grupos étnico-raciais aqui sediados e os colocamos todos na mesma caixa, como se compartilhassem a mesma cultura e hábitos, as mesmas experiências históricas e características sociopolíticas. Quando falamos do tema, também costumamos observar, por razões históricas óbvias, apenas as populações indígenas e negras. Não é por aí. A exemplo disso, temos muitos migrantes do Oriente Médio, que podem ser muito diferentes entre si. Haja vista que a região e (suas áreas de influência) compreende parte da Ásia, da Europa e da África, sendo, portanto, uma área complexa e multicultural. DADOS & DADOS & DADOS > 12 milhões de árabes e descendentes vivem no Brasil (Câmara de Comércio Árabe Brasileira) > Destes: 27% libaneses; 13% sírios; 6% marroquinos; 6% sauditas; 5% egípcios; 5% palestinos; 3% argelinos, 3% jordanianos, 3% líbios, 3% somalis, 1% barenitas, 1% cataris; 25% não identificaram uma nacionalidade árabe específica. > A comunidade judaico-brasileira é a segunda maior e a mais antiga da América Latina. > Estimam-se mais de 120 mil judeus residindo no Brasil. > O IBGE aponta quase 30 mil islâmicos no Brasil, enquanto a Federação Islâmica Brasileira, 1,5 milhão. LEMBRETE: Raça - Construção social, sem relevância biológica, que diz respeito aos atributos fenotípicos (físicos) de alguém. Etnia - Conceito que agrupa diversos fatores identitários (parentesco, religião, língua, tradições, território, nacionalidade etc., além da aparência física) de um indivíduo. RETRATO ÉTNICO-RACIAL DO ORIENTE MÉDIO Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, Chipre, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Israel, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Palestina, Síria, Turquia, são os territórios que integram o Oriente Médio, porém, temos também outras porções regionais fortemente influenciadas por ele do ponto de vista social, cultural, econômico e político, como Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. > Assim como no Brasil, nesse caldeirão de possibilidades muitas etnias coabitam: Africanos (de diferentes origens), Armênios, Circassianos, Judeus, Turcomanos, Baluchis, Luros, Curdos, Gilakis, Mazandarani, Azerbaijanos, Persas, Beduínos, Berberes, Camíticos, Orientais Egípcios, Afro-Árabes, Árabes, Afro-Asiáticos, Indianos, Paquistaneses, Bengalis, Europeus, entre outros (Atlas do Oriente Médio) > Vale reforçar: Israel, Turquia, Chipre e Irã são países ditos não árabes, já que o Oriente Médio conta também com turcos, persas, judeus e curdos. > Intenso fluxo migratório e movimentos expansionistas: A história nos dá materialidade para compreender que a região, por diferentes razões geopolíticas, foi ocupada por povos de origens distintas, daí sua pluralidade difícil de mapear TÁ, MAS COMO ORGANIZAMOS TUDO ISSO? De modo geral, as características distintivas entre as populações que residem no Oriente Médio e zonas de influência mais utilizadas são: > 1# O idioma: os grupos étnicos podem ou não falar árabe, popularizado por ser o idioma do Corão (livro sagrado muçulmano) Principais grupos linguísticos: árabe, hebraico e persa; Minorias linguísticas significativas: beja, curdo, tamazirt, turco. > 2# A religião: berço de pelo menos três sistemas de crença de importância global, o Oriente Médio não é apenas muçulmano Principais sistemas de crença: judaísmo, cristianismo, islamismo Mesmo dentro de cada grupo religioso, há subdivisões com diferenças expressivas, como muçulmanos sunitas e xiitas e judeus ortodoxos, conservadores, reformistas, reconstrucionistas e humanísticos. Atributos físicos isolados podem ser absolutamente imprecisos quanto estamos falando de grupos etnico-raciais complexos MUÇULMANO E ÁRABE NÃO SÃO SINÔNIMOS! Ser árabe refere-se ao grupo que habita o Oriente Médio e a África Setentrional (e seus descendentes), enquanto ser muçulmano implica em ser praticante do islamismo. É uma condição étnica, não exclusivamente racial. Na raiz, os árabes são parte do grupo 'semita' que compreende também hebreus, assírios, aramaicos e fenícios. Muitos árabes são muçulmanos, porém nem todo muçulmano é árabe! Na Índia e na Indonésia, por exemplo, o número de fiéis praticantes do Islã é considerável. Generalizar a palavra árabe pode nos levar a equívocos. É quase como usar a palavra 'latino' para unificar a América Latina, quando há diferenças pujantes entre os povos que a habitam e os tornam únicos, apesar de pontos em comum. IMPORTANTE: Dentro da religião islâmica temos ainda a subdivisão sunitas (têm uma interpretação mais flexível do Corão, da Sharia [a Lei Islâmica], e do califado [a sucessão de Maomé]) e xiitas (têm uma postura mais conservadora em relação aos tópicos anteriores). Portanto, tampouco os muçulmanos são todos iguais! NÃO EXISTE SÓ UM TIPO DE JUDEU E NEM SÓ JUDEUS EM ISRAEL! Divididos em etnias como ashkenazi (Europa Central e Oriental), sefarditas (Península Ibérica e Norte da África) e mizrahim (Oriente Médio e Norte da África), os judeus possuem distintas origens geográficas e culturais, influenciando suas tradições de diferentes maneiras. Os movimentos migratórios e de dominação também os fizeram ao longo do tempo se tornarem fenotipicamente plurais - esqueçam a ideia de judeus exclusivamente caucasianos! As línguas judaicas, incluindo hebraico, ídiche e ladino, também refletem essa diversidade. Judeus costumam ainda ser confundidos com israelitas e hebreus, porém historicamente não são exatamente sinônimos (Ex. um israelita pode ser hebreu, mas não judeu; um hebreu pode não ser nem israelita nem judeu). ONDE TODO MUNDO SE ENCONTRA? Segundo estudos da Academia Nacional de Ciências estadunidense, árabes e judeus têm origem genética comum. No 'Proceedings of the National Academy of Sciences', os judeus são irmãos genéticos de palestinos, sírios e libaneses com traços compartilhados de milhares de anos. Além da mencionada origem semita, outro ponto de parentesco é a língua, já que o árabe e o hebraico pertencem a mesma família. Do ponto de vista religioso, há uma mesma figura de importância no judaísmo, no cristianismo e no islamismo: Abraão. (Folha) ONDE TODO MUNDO DIVERGE? São muitos os pontos de divergência entre os diferentes Estados do Oriente Médio e defini-los não é uma tarefa simples ou fácil. Dois deles, relacionados à raça-etnia, são território e religião, definidores das muitas identidades ali sediadas. Outra característica importante é que as disputas e confrontos também têm longevidade histórica, colocando como objetos das discordâncias elementos do passado em torno dos quais as narrativas se contradizem. O resultado disso é um histórico de violência que reforça estereótipos e vitima civis inocentes. O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA: ORIENTE COMO UMA COISA SÓ As disputas em razão de elementos identitários, se não forem geridas, ou se forem mal geridas, podem se tornar rapidamente uma das maiores fontes de instabilidade dentro e entre os Estados. Também, nas organizações, que, afinal, são parte deles. São elas que nos induzem às esteriotipias, microagressões, e violências contra grupos étnicos sobre os quais somos ignorantes. Haja vista que muçulmanos e árabes estão entre as principais vítimas de intolerância religiosa no Brasil. Judeus, por sua vez, recorrentemente são definidos por estereótipos degradantes – quem nunca os chamou de mão de vaca, hum? Tomando de empréstimo as palavras da escritora Chimamanda Adichie, a mensagem principal que fica é: uma narrativa única sobre algo ou alguém pode ser perigosa. Quanto maior for a nossa compreensão a respeito das pluralidades humanas e do reconhecimento de que nossas identidades se sobrepõem e interagem, mais rapidamente abandonaremos ideias que homogeneizam o outro e violam suas características únicas. Mais próximos estaremos do respeito à diversidade e de uma cultura de paz. ------------------------------- VAMOS FALAR DE RAÇA E ETNIA? A Diversitera tem um conjunto de soluções adequada a realidade do seu negócio.
Por Tamiris Diversitera 26 fev., 2024
CIDADANIA A experiência eleitoral varia de país para país. Nos democráticos, o direito de votar é uma característica da cidadania. Ao longo da história, porém, algumas categorias de pessoas foram excluídas da ideia de cidadão, o que não é exatamente uma novidade já que é uma herança da Grécia Antiga, em que apenas homens eram referenciados enquanto tal, e os gregos foram colocados como orientadores únicos de tudo o que diz respeito ao fazer político no mundo. Um dos problemas de não ser visto como cidadão, isto é, sujeito de direitos, é que essa invisibilidade implica em não ser beneficiário de políticas públicas e privadas orientadas a necessidades básicas para uma vida digna. Também, alija o exercício das liberdades e mina a hipótese de elencar certos direitos como fundamentais, tornando algumas existências mais inseguras que outras. HISTÓRICO DO VOTO NO BRASIL Aqui no Brasil, a conquista do voto feminino é histórica, social e institucional. 1500> Enquanto Colônia, apenas homens brancos com renda específica podiam votar. 1800> No Império: primeiro, somente cidadãos homens, ativos, maiores de 25 anos e com renda comprovada, considerando mulheres (exclui as não brancas) apenas como cidadãs passivas e, portanto, sem direito ao voto; mais tarde, propostas sugeriram uma reforma eleitoral em que viúvas e mulheres arrimo de família pudessem participar de eleições locais, o que não foi aprovado; então, a Lei Saraiva determinou que somente aqueles que tivesse título científico poderiam votar e isso abriu uma brecha para mulheres diplomadas embora os entraves sociais permanecessem para isso de dar de fato. 1900> Na República, apesar da atuação dos movimentos sufragistas e abolicionistas desde meados do século XIX, tensionando a ideia de cidadania, permaneceram votantes os homens, maiores de 21 anos, alistados na forma da lei. Notamos que a professora baiana Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, em 1910. 1920> Uma cidadã nordestina, Celina Guimarães Viana, conseguiu votar. Brechas legais permitiram que mulheres se candidatassem. É que os textos vetavam o voto, mas não a participação política de outras maneiras. Foi assim que elegemos a primeira prefeita da América Latina, Alzira Soriano. Bertha Lutz deu início à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. 1930> Na Era Vargas, estudiosos consideram que nasceram as eleitoras e cidadãs do ponto de vista formal, já que elas passam a participar das eleições com a reforma eleitoral – embora fossem apenas as alfabetizadas, as casadas precisassem da autorização dos maridos e apenas servidoras públicas fossem obrigadas a fazê-lo. Foi nesse período que tivemos também a primeira deputada eleita. 1980> Na redemocratização, pós-ditadura, cidadãos, maiores de 16 anos, alfabetizados ou analfabetos, sem distinções de raça, gênero e classe passaram a ser autorizados a votar. Observamos, assim, que a participação ampla e irrestrita de todos os brasileiros que conhecemos hoje é absolutamente recente. AS SUFRAGISTAS Até o final do século XIX, a tríade raça, gênero e classe excluía a participação ativa de cidadãos na política institucional da maioria dos Estados. Era um momento de agitação social significativa, com ondas de luta por direitos civis. É nesse contexto que o movimento sufragista liderado por mulheres se fortalece e consolida. Países como Inglaterra, Nova Zelândia, Finlândia e Estados Unidos tiveram agrupamentos expressivos neste sentido. Suas reivindicações, além do direitos ao voto e à candidatura, em síntese, giravam em torno do direito à educação e da adoção de um modelo verdadeiramente republicano. Na contramão, argumentos atestavam a ideia de subordinação feminina, colocando sua luta como uma ameaça à manutenção das famílias e ao patriarcado ao qual deviam obediência, além de rotulá-las como emocionalmente influenciáveis, irracionais e incapazes de compreender assuntos complexos. Rousseau e Kant, filósofos iluministas, chegaram a considerá-las com menor capacidade intelectual. Após protestos e tensionamentos relevantes, sobretudo de professoras e jornalistas, elas conseguiram votar e avançar com suas pautas. Grande parte dos países só promulgou o voto feminino ao longo do século XX. Alguns, como a Arabia Saudita (2015), no século XXI. UMA LUTA DE MULHERES... BRANCAS Muito embora estudos apontem um alinhamento do movimento sufragista com o abolicionismo, isso não o coloca exatamente como antirracista ou promotor do fim do escravismo. Há presença de diferenças complexas entre eles, e as iniciativas brasileiras espelharam substancialmente as experiências europeias e estadunidenses. Enquanto pessoas negras lutavam por sobrevivência e pela garantia de direitos básicos (educação, saúde, moradia etc.), as pautas de mulheres brancas eram outras, mais específicas as suas realidades (direito ao aborto ou ao trabalho). Neste sentido, apesar dos avanços pelo sufrágio universal, critérios estabelecidos como alfabetização e renda eram absolutamente excludentes para algumas populações, no Brasil sobretudo quando aparecem apenas cinquenta anos após a abolição. Vale ressaltar figuras como Almerinda Farias Gama e Antonieta de Barros, duas mulheres de importância apagadas da história de luta participação feminina na política brasileira. E as mulheres indígenas? Até 2021, a população indígena em geral foi impedida de votar por uma norma de 1965 que obrigava eleitores a serem fluentes em Português e comprovar domicílio eleitoral, o que não dialogava com a realidade dos povos originários. No caso das mulheres, elas demoraram a acessar candidaturas por inúmeras razões que incluem o machismo e o racismo, embora nas últimas eleições elas tenham alçado cargos relevantes. VIVA O NORDESTE Como mencionado, o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado brasileiro a permitir que elas votassem e se candidatassem. Se hoje quase 80 milhões de brasileiras votam, há mais de 90 anos esse era motivo de orgulho para a professora potiguar Celina Guimarães Viana, considerada a primeira eleitora do nosso país. Além de votar, algumas mulheres, como Júlia Alves Barbosa (Natal) e Joana Cacilda de Bessa (Pau dos Ferros), foram também eleitas ao cargo de intendente municipal, equivalente a vereador hoje. Em 1927, o Congresso Estadual do Rio Grande do Norte fez uma interpretação da Constituição e do Código Eleitoral que favoreceu o direito de voto e elegibilidade às mulheres em outros estados da federação. Assim, Alzira Soriano se tornou a primeira prefeita eleita da América do Sul, com 60% dos votos válidos. Mais tarde, Quintina Diniz assumiu uma cadeira no Legislativo de Sergipe e Maria do Céu Fernandes foi diplomada a primeira deputada estadual eleita no Rio Grande do Norte. No outro extremo do país: Antonieta de Barros elegeu-se deputada estadual de Santa Catariana, sendo considerada a primeira mulher de seu estado e mulher negra a exercer um cargo político no Brasil. REPRESENTAÇÃO X REPRESENTATIVIDADE Enquanto representação é o ato de ser escolhido para falar ou agir em nome de outras pessoas ou grupos, a representatividade é a capacidade de um grupo de ser representado refletindo sua diversidade e pluralidade. Assim, mulheres diversas ocupando cargos políticos é uma expressão de REPRESENTAÇÃO. Elas vão garantir REPRESENTATIVIDADE quando espelharem as demandas de sua categoria, por exemplo estimulando cotas de mulheres em organizações públicas e privadas, normatizando o direito ao voto feminino, instituindo leis contra violência doméstica, sancionando leis contra assédio e importunação, promovendo ações para que outras mulheres ocupem postos de liderança e exercício de poder, criando estratégias para a promoção de igualdade salária ou acesso a oportunidades do mercado de trabalho, entre outros. ------------------------------------ VAMOS CONVERSAR SOBRE GÊNERO? A Diversitera tem um conjunto de soluções adequado a sua realidade! contato@diversitera.com
Por Tamiris Hilario de Lima Batista 30 mar., 2023
Por Felipe Demetri
Por Tamiris Hilario de Lima Batista 30 mar., 2023
Atualizado: 19 de mai. de 2022
Por Diversitera 08 nov., 2022
publicado originalmente na revista Growth Strategy - Carreira e Negócios
Por Diversitera 07 nov., 2022
Atualizado: 8 de nov. de 2022 Por Ana Hining, Felipe Batistão, Felipe Demetri e Tamiris Hilário
Por Ana Paula Hining 07 jun., 2022
Atualizado: 8 de nov. de 2022
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