OQÉ: O que é masculinidade e como ela nos convida a (re)pensar ações de gênero nas organizações?

Felipe Demetri • Mar 30, 2023
Por Felipe Demetri

O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, inevitavelmente nos coloca em reflexão sobre o lugar da mulher na sociedade: as mudanças, as conquistas, os desafios ainda presentes. Sem dúvida é possível dizer que, nos últimos anos, as mulheres avançaram em muitos pontos em termos de igualdade de gênero (embora as desigualdades sejam persistentes e não serão revogadas por decreto). Esse avanço anda lado a lado com discussões cada vez mais presentes na mídia, nos jornais e nas redes sociais. Em suma, os feminismo têm sido cada vez mais pautados e debatidos.

Em meio a tantas discussões sobre o protagonismo das mulheres e um conhecimento cada vez mais difundido a respeito de suas lutas, é natural que se discuta também o papel dos homens nesse cenário. 

Ao se colocar em questão uma sociedade machista, patriarcal e misógina, o papel tradicional dos homens é questionado, estrutural e conjunturalmente. Comportamentos antes naturalizados são postos em evidência (microagressões, violências psicológicas, importunação, assédio, feminicídio etc.), e neutralizar essas atitudes acaba tocando em pontos que são importantes alicerces da masculinidade, uma vez que eram e ainda são intimamente associadas à própria construção social da masculinidade. 

Vale lembrar que masculinidade é o conjunto de atributos, expectativas e papeis, destinado às pessoas que são designadas ou que se autodesignam como homens na nossa sociedade. Não existe apenas um tipo de masculinidade, mas, em geral estamos em contato com um modelo hegemônico, historicamente imposto e culturalmente predominante, o qual, hoje, podemos dizer que está em “crise”. 
Mas se eu preciso deixar de me comportar como fui ensinado a ser homem, o que resta para mim em termos de masculinidade?
É importante não subestimar essa questão. O senso de identidade é um atributo fundamental na experiência humana, e questioná-la sempre nos deixa em situação de alguma insegurança.

Talvez essa crise ajude a entender o porquê do surgimento de tantos movimentos masculinistas (Men Going Their Own Way, Red Pill, Incels, Homens Sigmas, entre outros), que visam reativar uma ideia mais tradicional de masculinidade, geralmente em desfavor das mulheres e outros grupos vulnerabilizados. O que parece informar esses grupos masculinistas é uma nostalgia sobre o papel do homem como provedor, conquistador, viril, emocionalmente forte, fisicamente apto, ativo, sexualmente experiente, impassível, impositivo, resiliente, competitivo, bem sucedido, dominante. Seria o resgate de um "homem autêntico", clássico, que não se deixa ser “manipulado” por mulheres. 

A desconstrução da ideia mais tradicional de masculinidade não deve significar que nada restará no lugar. É evidente que uma “ausência de lugar” que alguns homens podem sentir no contexto dos debates de igualdade de gênero é algo que provoca medos, mas a resposta não deve ser necessariamente o retorno a uma nostalgia imaginada. É justamente essa desconstrução que pode abrir espaço para outros tipos de masculinidades: mais sensíveis, menos violentas, e, por fim, mais abertas à própria ideia de igualdade.
Igualdade no ambiente de trabalho

Por isso é importante, nos debates organizacionais a respeito de igualdade de gênero - também de D&I de modo geral -, abordar as masculinidades -- sim, no plural! Se admitimos que homens têm responsabilidades na construção dessa igualdade, é preciso incluí-los nessa conversa. Datas e eventos sobre diversidade e gênero não podem continuar sendo momentos em que apenas as mulheres participam e tomam para si o compromisso de reduzir assimetrias e suprimir violências; esta é uma conversa que diz respeito a todos, independente do marcador suscitado. 

Incluir os homens nessa conversa (e nesse plano de ação) é, portanto, um passo crucial para o estabelecimento de novos aliados. Muitos comportamentos tidos como naturais no dia-a-dia do ambiente de trabalho são, na verdade, expressões de formas mais ou menos violentas de machismo: desde piadas e cantadas, até interrupções em reunião, chegando, em casos extremos, aos episódios de assédio moral e sexual. 

É preciso que os homens se impliquem nessas condutas, e que compreendam que, de certa forma, também são produtos da construção social da masculinidade. Enquanto mulheres são oprimidas pela violência machista, a muitos deles não é apresentada a opção de performar uma masculinidade diferente da dita tradicional. Desapegar-se desse padrão normativo é um processo difícil, demorado e paulatino, mas necessário e urgente.

Em suma, qualquer possibilidade de igualdade entre os gêneros deverá ter participação ativa dos homens. Novas formas de masculinidade já estão surgindo, e é preciso democratizar estas possibilidades.

E na minha minha organização?

Muitas empresas se perguntam como melhorar a equidade de gênero dentro dos seus ambientes de trabalho. Pensando nisso, a Diversitera preparou algumas dicas:

#1 Treinamento em letramento de gênero: realizar treinamentos periódicos sobre a importância da diversidade e inclusão focado em aspectos de gênero e masculinidades, envolvendo homens nesses eventos

#2 Treinamento em vieses inconscientes: vieses inconscientes informam várias decisões que tomamos no dia-a-dia. O assunto é importante para todos os funcionários, mas é ainda mais crucial para líderes e gestores, responsáveis por criar ambientes com equidade

#3 Monitorar dados de igualdade de gênero: um passo importante para as empresas, em termos de igualdade de gênero, é estarem atentas para os dados de hierarquia e salário em termos de gênero, acompanhando e corrigindo possíveis iniquidades

#4 Estabelecer políticas e metas claras para igualdade de gênero: é preciso que o assunto da igualdade seja tratado de forma clara e transparente, aumentando as chances de engajar aliados homens nas organizações

Felipe Demetri Psicólogo e Mestre em Psicologia com ênfase em Processos de Subjetivação, Gênero e Diversidades (UFSC). Doutorando em Psicologia na área de Psicologia Social e Cultura e pesquisador do Núcleo Margens - Modos de vida, família e relações de gênero. Pesquisa nos seguintes temas: gênero, sexualidade, subjetividade, diversidade. É autor do livro "Judith Butler: Filósofa da Vulnerabilidade" (ed. Devires, 2018). Tem atuação profissional, a partir da psicologia, na área de gênero, diversidade e masculinidades.
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