A utilização do termo cisgeneridade para se referir às pessoas que não são trans também converge com um esforço de questionar a compreensão do gênero como um atributo essencial, entendendo-o como uma construção social. Isso pode parecer difícil de entender e até um pouco abstrato, mas vamos colocar da seguinte forma: quando nascemos, a cada um de nós é atribuído um gênero, e junto dessa atribuição (que é realizada por um conjunto de instituições e discursos - família, medicina, biologia, do Estado, religiões) vem uma série de expectativas sobre o que é ser menino ou menina. “Meninas/mulheres são delicadas, educadas, são mais propensas às atividades de cuidado, são mais sensíveis, menos racionais…” “Meninos/homens são mais agressivos, desleixados com aparência e limpeza, mais aptos às atividades entendidas como racionais como matemática, engenharia, política…”, por aí vai. Dizemos, portanto, que gênero não é um atributo essencial, ou seja, algo que alguém, naturalmente, é. É o próprio discurso sobre o gênero que produz essas ideias de homem e mulher com as quais nós vivemos e negociamos para construir nossas identidades.
Nesse sentido, a palavra “cis” sugere que as pessoas cisgêneras também passam por um processo de construção do seu gênero, ainda que ele seja naturalizado, ou seja, interpretado como algo dado, natural. Pessoas trans, aos olhos da sociedade, muitas vezes são vistas como “farsantes do gênero”, isso fica muito explícito quando alguém diz algo como “ela não é mulher de verdade”, ao se referir a uma travesti, por exemplo. O argumento por trás do uso da palavra cis para se referir às pessoas não-trans vai no sentido de demonstrar como todo gênero é uma construção social. Todos nós, invariavelmente, passamos por processos de negociação com as normas de gênero e produzimos nossa identidade a partir delas. A grande questão é que para as pessoas cisgêneras esse processo é invisibilizado, é visto como algo “natural”. Por isso, fala-se em cisnormatividade: as normas que circunscrevem as possibilidades do que é um gênero normal ou ideal baseiam-se na cisgeneridade como ponto de referência do que é bom, correto e padrão.