OQÉ: O que é colorismo?

Tamiris Hilario de Lima Batista Editor • Dec 02, 2021
OQÉ é o glossário periódico da Diversitera, com os principais assuntos do território da D&I, pois acreditamos que ser um aliado da Diversidade, da Inclusão e da Equidade é também se tornar um agente ativo da busca de saber. Por isso, apresentamos a tag #parasereubuscosaber, por meio da qual nossa audiência poderá sempre localizar os conteúdos metalinguísticos e conceituais do OQÉ. Boa leitura!

O #colorismo é uma ideia, termo ou conceito de diferenciação, cujas reflexões giram em torno dos privilégios concedidos às pessoas negras de pele clara em detrimento daquelas mais retintas, ou que possuem outras características fenotípicas mais próximas das normativas e estruturalmente hegemônicas. Sua origem está diretamente atrelada ao processo eugenista, que sempre visou o branqueamento das populações não-europeias, orientando-se a partir de referências eurocêntricas (berço dos sujeitos ditos universais) impostas desde a colonização das Américas.

Diante das inúmeras diferenças dos indivíduos que compõem uma sociedade, é compreensível que a epiderme e outras características sejam assuntos pautados. Cada Estado, entretanto, possui seu próprio código de leitura. No Brasil, país com alto índice de miscigenação, diante dos mais de 136 registros existentes até o final dos anos 1970 - 'cor de burro quando foge', 'meio branca', 'loira clara', 'morena castanha' etc. - o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estabeleceu algumas denominações e permitiu que as pessoas se autodeclarassem de forma "livre". Por aqui o colorismo se torna uma questão, contudo, quando é um esforço de hierarquização racial e recurso de discriminação em função da manutenção de poder de alguns, em que quanto mais clara e com mais traços europeizados uma pessoa é lida, mais próxima da normalidade, da beleza, da pureza, da confiabilidade, da inteligência, da educação, da amabilidade e de regalias geralmente concedidas às pessoas brancas ela estará. O inverso também ocorre: quão mais escura é sua cútis e quão mais traços fenotípicos pretos ela carrega consigo, maior é o vínculo com atributos negativos como preguiça, desonestidade, falta de inteligência, perigo, violência e, principalmente, animalização. O colorismo inviabiliza acessos, cria assimetrias de oportunidades e direitos e falseia a realidade.

Sobre o percurso histórico da 'cor' no Brasil, no contexto do colorismo, é fundamental investigar a trajetória dos 'pardos', 'pretos' e 'negros'. Já no período colonial, em parte do país, o termo pardo era utilizado para designar indígenas escravizados ilegalmente ou para sinalizar a mestiçagem (entre africanos, indígenas e europeus). Mais tarde, para além disso, pardo dizia respeito também às pessoas livres, independente da cor da pele, tornando-se sinônimo de status social e diferenciação. Preto e negro também apresentavam diferenças semânticas no contexto do escravismo, sendo os primeiros os cativos fiéis e os segundos os insubmissos, ou, no século XIX, crioulo para os nascidos no Brasil e pretos para africanos. Com as primeiras aplicações de censos demográficos, a bagunça se agravou e tornou tudo ainda mais complexo. Estes recenseamentos apontavam apenas pretos, brancos e mestiços. Em seguida, foi adicionada a informação de liberdade dos indivíduos, se eram escravizados ou não. Após isto, 'cor' foi removido da leitura, o que voltou a acontecer durante o regime militar diante das ideias de homogeneização da nação. Os indígenas, aliás, ora não possuíam categoria classificatória, ora eram declarados como pardos. A explicação até os anos 1980 é que pardos eram mulatos, mestiços, índios, caboclos, mamelucos, cafuzos, entre outros. 

Tudo isso caminhou junto com as ideias antagônicas de eugenia, muito fortes a partir dos anos 1920 e que visavam o embranquecimento dos brasileiros, e, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento do mito da democracia racial, marcado pelas ideias de Gilberto Freyre e o livro Casa Grande & Senzala, que reforçava a mestiçagem romântica, abrandava a escravidão e 'resolvia' a questão racial no Brasil ao considerar os negros parte da identidade nacional, eufemizando o racismo que agora passa a se apresentar, apenas em aparência, velado. Em vez de políticas explicitamente segregacionistas, outras estratégias mantiveram os negros aprisionados pelo preconceito.

É importante notar que nas sociedades pós-coloniais o colorismo é ainda muito debatido para sua compreensão sadia e amadurecida. Alguns o entendem também como uma estratégia de segregação entre pessoas negras, algo mais no sentido do que propõe o búlgaro Todorov em 'A conquista das Américas' quando descreve as diferentes estratégias de dominação colonizadoras, dentre as quais está o 'dividir para dominar'. Outros, questionam o lugar desse discurso em países profundamente miscigenados, como o Brasil, em que o mito da democracia racial tem força e outros fenômenos colaboram para a manutenção do racismo estrutural e o não reconhecimento da identidade negra local. Além disso, a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Scwartz, certa vez, questionou “Como determinar a cor se, aqui, não se fica para sempre negro e/ou se ‘embranquece’ por dinheiro ou se ‘empretece’ por queda social?”, no sentido de apontar que o colorismo não está descolado das questões de classe, escolarização e outros marcadores sociais da diferença.

Embora o colorismo não seja um negrômetro, é importante dizer para que não se confunda, precisamos observar os efeitos sociais que decorrem do racismo e por isso falar hoje dele é fundamental. E ele não está sozinho. Por muito acompanhamos a pouca identificação do negro com as suas características, investindo em tentativas de se tornar semelhante aos europeus e seus descendentes, por exemplo realizando cirurgias ou utilizando maquiagem para afinar o nariz e/ou diminuir os lábios, alisando e/ou clareando os cabelos, adequando seu corpo e peso a este biotipo etc. Todas essas podem ser escolhas legítimas, as pessoas são livres para realizarem-nas quando e como quiserem, desde que elas sejam feitas a partir de uma profunda reflexão sobre os verdadeiros motivos, isto é, a partir de escolhas racionais distanciadas da reprodução de padrões racistas secularmente impostos. Muitas vezes, elas podem ser ensaios de aproximação dessas referências apenas pelo desejo de aceitação, pertencimento, legitimação, afeto, reconhecimento, passabilidade, segurança etc.

No mercado de trabalho, os acessos se tornam diferentes. Segundo pesquisa do Instituto Ethos, apenas 4,7% de pessoas negras ocupam cargos de liderança nas 500 maiores empresas do país, embora mais da metade dele seja composta por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas. É bem provável que se olharmos as características dessas pessoas em comparação com as daquelas vinculadas aos chamados pejorativamente de subempregos, entenderemos melhor o colorismo.

Por fim, à serviço de quem está o colorismo e a quem ele poderia interessar, são duas questões relevantes. O que sabemos é que enquanto diferenciação ele acaba se tornando nocivo às não brancas, sobretudo às pessoas negras, e parte integrante de um projeto que ainda insiste na hegemonia branca, na exclusão e na violência.
Para conhecer: o projeto HUMANAE, de Angélica Dass, tem como objetivo aprofundar a reflexão sobre a definição de raças pelas etiquetas falsas criadas ao longo da história e demonstrar como 'cor' pode ser uma assunto absolutamente complexo. 

Angélica fotografou mais de 4.000 pessoas em 26 países diferentes e relacionou suas tonalidades de pele com a palete industrial Pantone, colocando em questão contradições e estereótipos criados para hierarquização racial. 

Dentre o estudo, não foi possível encontrar alguém cuja paleta fosse branco ou preto. Além disso, pelas fotos, não é possível saber quem é rico ou pobre, se é refugiado, se está empregado ou desempregado, se mora em abrigos, em comunidades periféricas ou em mansões. Não é possível determinar seu país de origem, qual é a orientação sexual ou identidade de gênero, se possui ou não deficiências. As pessoas são fotografadas sem rótulos que são praticamente associados de forma automática ao ser humano devido às construções de percepções de países colonizadores sobre países colonizados.

Agora que você já aprendeu sobre colorismo, o que acha de observar diária e atentamente as pessoas que ocupam os espaços que você frequenta e identificar, dentre as tonalidades, quais são seus lugares sociais?

BIBLIOGRAFIA

COLORISMO: O QUE É E COMO ELE AFETA A VIDA DE NEGROS DE PELE RETINTA - https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2021/09/08/o-que-e-colorismo-e-como-ele-afeta-a-vida-de-negros-de-pele-retinta.htm

QUEM É A MULHER NEGRA NO BRASIL? COLORISMO E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL - https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/

O MITO DO PARAÍSO RACIAL - https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/democracia-racial-ideia-foi-adotada-no-brasil-pos-escravidao-e-ajuda-a-explicar-racismo-atual/#cover
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